quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Números

Um a mais. Um a menos.

Lembro do meu tempo de escola às vezes. Contar com palitos, historinhas matemáticas. Versos sem valor pra dar sentido a um número qualquer. Histórias da carochinha. Numerozinho. Todo inho é ruim, de fato.

Depois aparecem em bancos, aparelhos, planilhas e em apresentações de empreendedorismo de palco.
É bonito porque tu coloca os dados, mostra as cifras. O Jornal do Almoço adora, assim como a cidade alerta, aí vem o criança esperança pedindo doações. Pessoal ajuda. Vai que dessa vez o didi consegue comprar um iate. Pois, como diria o Clóvis, quando não dá criança amor, criança plena, sobra criança esperança mesmo. Na falta, na miséria e no abandono. Pobreza já é atração turística.

Bota na planilha do futuro do calçado. Calcula as projeções. As metas. Imprime tudo em papel. Tal é a importância. Ano que vem tem que sair mais que no anterior. Azar da criança esperança, já que tudo que sobrou foi morrer trabalhando numa esteira. Pagando bem, que mal tem?
Ninguém mandou não se esforçar.

Nessas horas acendo um cigarro. Lembro que também quero que meus números vão bem. Em notas. Em salário. Em conta. Trago.
É inevitável a comparação com tudo que é necessário para manter isso assim. E a conta não fecha.
É proposital que ela não feche. A conta fecha no terceiro ou quarto passo para o sucesso, ou será no primeiro? Não sei dizer. Parei de ler conto de fadas depois que cresci.
No meu conto não parece ter final feliz. Eu também não sou uma fada.

Afinal são só números não é mesmo?
Na historinha matemática eles precisam de um conto pra fazer sentido. Por si sós, são só símbolos.
Ver sangue todo dia acho que me deixou meio entorpecida. De modo que dificilmente paro pra pensar neles.
De qualquer forma, eu tenho trabalhado até me acabar. Mal sobra tempo de fumar.
Até já devo ter pego a novidade. Sem sintomas. A máscara não adianta muito. O que teria adiantado seria um pouco mais de lucidez em tempos de decisão e também a ironia máxima: levar os números um pouco mais a sério.
É quando eu lembro que são mais de cem mil mortos.
Como números, são só símbolos.
Mas a historinha...
Ainda me assusta.

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