sábado, 5 de dezembro de 2015

O Padeiro

Não era uma padaria ritmada pela pressa, marcada por pedidos para levar. Não estava incrustada em rua movimentada do centro, espremida entre prédios, nem havia um estacionamento pago por perto. Por ali, o normal era comer no balcão, ou à alguma mesa perto da janela; pela qual se veria um céu sem qualquer arranhão; uma rua tranquila: casas sem cerca, pessoas caminhando sossegadas; passava um carteiro, assoviando; um radialista de bigodes, um cão passeando sozinho.
Lugar familiar, repetiam-se os rostos. O próprio dono atendia no balcão. Morava numa casa grande, velha e bonita, nos fundos. Conhecia pelo nome uma boa parte dos fregueses, os mais frequentes. Os que pouco vinham, esforçava-se para que voltassem mais vezes. Menos um deles.
Aquele, esperava jamais ver novamente.
Pois, na única padaria daquele bairro tão simpático, ali bebeu e comeu uma alma perversa, um biltre matador de mulheres. O padeiro ouviu dizer que ele foi preso, que foi morto, que foi para o inferno e voltou e, embora quisesse acreditar em qualquer uma das duas primeiras hipóteses, nenhuma lhe trazia certeza, nem conforto.
Por meses depois dos crimes, sempre fez questão de levar até em casa as suas funcionárias sobreviventes, escrevendo uma história que ainda deve ser melhor contada.
Bom sujeito, diz-se dele. Uma foto na parede da padoca denuncia que já foi guitarrista de uma banda de roque - mas não poderia ter levado aquilo para o resto da vida: não era para ele. E quem o conhece melhor sabe que, apesar do gosto pelo trabalho, a padaria é apenas o seu ganha-pão. No seu íntimo, o que ele realmente é, o que realmente ele sabe fazer, aquilo a que ele dedica os melhores e os piores de seus momentos, é ser pintor.

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