quinta-feira, 26 de março de 2015

Helpless


Não havia peixe ali, haviam dito. Mas havia água, algum deus quis, e, se ele quisesse, sairia de lá alguma coisa. Tentou de novo; nada. Ondas minúsculas caminhavam para longe do pouso do anzol, um ar frio levantou a gola da camisa, protegendo o pescoço. Se tivesse um barco, embarcaria nele e pescaria aquele monstro perpétuo que o assolava lá do meio do lago.
Mas havia madeira, algum deus a plantou ali, tão próxima da água, e alguém que conhecesse o ofício poderia produzir um barco a partir dela; não era o seu caso, e seu Moacir lamentaria mais este infortúnio. Soube construir sua cabana e ela tinha goteiras, mas disso a raridade das chuvas não o permitia reclamar. Pensando nisso e sabe-se lá em que mais, recolhe a linha mais uma vez, sem tirar qualquer fruto dela, preparando o braço para tentar mais uma vez, tantas quanto forem necessárias, pés cravados na beira do lago, aquelas ondas demarcando domínios que não são seus, verdadeiras fronteiras a flutuar.
Poderia construir uma ponte, chegar mais perto, encarar o monstro, derrotá-lo sem sacar armas, pescar sem uma vara; bolear o braço cansa, vai para casa sentar um pouco, cevar um mate, de repente sentiu sede, o ar é seco e frio, sopra vento afiado na cara, a porta de entrada do lar é um convite. Pela janela, mira o lago e pensa que aquele demônio não poria a cara para fora assim, sem mais nem menos, e talvez a solidez de uma ponte o mantivesse a distância.
Há apenas sua linha de pesca, e os anos a tornaram capaz de voar tão longe, e há vento, pois algum deus, talvez o mesmo de sempre, quis assim, e seu Moacir lança seu anzol cada vez mais longe, cada vez mais perto da atroz toca subterrânea que aquele, aquele... monstro deve habitar, que não é possível que seja diferente.
Seu Moacir não sabe nadar, que deus nenhum jamais lhe ensinou, criou-se peixe e criou-se homem, uma coisa não é a outra e então, então não há como ir lá ver o que há, resta imaginar e lançar a linha, a linha voa sem passarar, não tem asa e por isso cai, cai tão perto que nunca é perto o bastante de onde deveria chegar, e seu Moacir sabe que é velho e logo cansa mas ainda é jovem, jovem demais para encarar aquela água escura, mas um dia ele chega lá, um dia ele toma coragem e vai encontrar a mulher, tirar ela lá do fundo, onde é prisioneira, só pode estar presa, somente assim se explica ela ter entrado e nunca ter voltado.

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