quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Caramujo


Debaixo de cada pedra, não da estrada, mas da calçada, o pavimento da esquina do que tu és com o que poderia ter sido, ali encontrarás tudo que precisas, mas não tudo que queres. Queria um colchão, uma cama de espuma e uma coberta que abafasse esse barulho tão alto que os falantes causam nas tardes afora; dormiria, então e sempre. Levantaria a primeira pedrinha que encontrasse, e ali estaria uma história para contar, um caracol, um fio de cabelo, um velho caramujo e seu gato preto de estimação, tão estimado; ele teria algo a dizer. Queria uma chave que pudesse trancar esta porta e deixar que ela se abrisse só quando eu quisesse, evitando intrusos, atrasos, interrupções, linhas pontilhadas; tivesse procurado embaixo da pedra seguinte, acharia um cadeado, na outra uma corrente; achei uma corda e fiz, cegamente, um nó, estancando o fluxo de pensamentos que poderiam nutrir-se, crescer e virar ideias, que minguariam intocadas apenas por falta de saber o que fazer delas. Encontraria um tesouro debaixo de cada uma delas, tropicaria, na volta, naquela que deixei de colocar de volta no lugar; procuraria, embaixo de outra, alguém a quem culpar; encontraria, sem entender, um papel e uma caneta onde pudesse acusar a qualquer um; descobriria, na verdade, um carimbo com meu nome gravado, nada havia a ser feito.
Ergueria, então, o olhar e veria, depois da esquina, a pesada pedra, maior de todas, e a longa coxilha para cima da qual eu a teria de empurrar: sorrindo.

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