Debaixo de cada
pedra, não da estrada, mas da calçada, o pavimento da esquina do
que tu és com o que poderia ter sido, ali encontrarás tudo que
precisas, mas não tudo que queres. Queria um colchão, uma cama de
espuma e uma coberta que abafasse esse barulho tão alto que os
falantes causam nas tardes afora; dormiria, então e sempre.
Levantaria a primeira pedrinha que encontrasse, e ali estaria uma
história para contar, um caracol, um fio de cabelo, um velho
caramujo e seu gato preto de estimação, tão estimado; ele teria
algo a dizer. Queria uma chave que pudesse trancar esta porta e
deixar que ela se abrisse só quando eu quisesse, evitando intrusos,
atrasos, interrupções, linhas pontilhadas; tivesse procurado
embaixo da pedra seguinte, acharia um cadeado, na outra uma corrente;
achei uma corda e fiz, cegamente, um nó, estancando o fluxo de
pensamentos que poderiam nutrir-se, crescer e virar ideias, que
minguariam intocadas apenas por falta de saber o que fazer delas.
Encontraria um tesouro debaixo de cada uma delas, tropicaria, na
volta, naquela que deixei de colocar de volta no lugar; procuraria,
embaixo de outra, alguém a quem culpar; encontraria, sem entender,
um papel e uma caneta onde pudesse acusar a qualquer um; descobriria,
na verdade, um carimbo com meu nome gravado, nada havia a ser feito.
Ergueria, então,
o olhar e veria, depois da esquina, a pesada pedra, maior de todas, e
a longa coxilha para cima da qual eu a teria de empurrar: sorrindo.
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