terça-feira, 20 de abril de 2010

Realidade irreal

E então o homem levantou. No meio da multidão apressada, na cidade pacata, onde supostamente não deveria estar. Era encarado como uma mancha na rígida marcha do progresso.
Ainda assim ele levantou. Um saco de pães e um pote de maionese era tudo o que ele tinha, e talvez até tivesse achado no meio do lixo das outras gentes, porém era o suficiente para saciar sua fome para mais um dia de trabalho importantíssimo. Ironicamente seu uniforme não era um terno e gravata, mas sim roupas usadas, surradas e desgastadas que também, assim como sua comida, outrora foi de outras pessoas. Seu trabalho era recolher material que os outros costumam chamar carinhosamente de lixo. Seu próprio lixo.
Ele não tinha pais, mas era filho da sociedade. Nascido no meio do concreto, consequência do progresso.

Muitas pessoas observam, mas é preciso coragem para observar o que não se quer ver.
Enquanto na frente da farmácia, a melodia da gaita do cego tocava o rebanho de ovelhas, o único homem surge entre todas aquelas pessoas. Diferente dos demais, não possuia nenhuma coisa importante como uma mochila, um terno, um carro, sapatos, ou um aparelho de ouvir musica, diferente dos padres, homens de negócios, policiais e muitos estudantes, possuia sim algo que há muito havia deixado de ser importante.
Quando ele se aproximou do cego, sorriu e colocou a mão no bolso tirando umas moedas. Depois de entregar as moedas ao cego, ele entrou na farmácia para se pesar. Era o único ser humano no meio de tantas pessoas, convicto de que, embora a sociedade insista em lhe mostrar o contrário, também era gente.

Depois disso, tomei meu rumo. Fui para casa cantando. Também convicto. Convicto de que no fundo, silenciosamente estes atos são aplaudidos. Aos poucos as ondas vão acordando, uma seguindo a outra, para assim o mar olhar para o mundo.

Um comentário:

  1. Conheço essa cena... bem, um heremita urbano é sempre capaz de surpreende aos jovens estudantes que andam por aí...

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