quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Arlindo e a Guerra


Arlindo P. Schmitt lembrava de histórias da guerra, coisas ruins e formas fatais de morrer. Batalhas travadas na bala, granada, bomba de tudo que é tipo, canhão e sabe-se lá o que mais. Tinha aquela história da trégua no natal, todo mundo tranquilo nas trincheiras, curioso de se imaginar. Ninguém sairia de lá para comprar presente, mas vai saber se o comércio já tinha fabricado essa tradição ilusória naquela época. Quem lhe contava sobre a primeira guerra mundial era seu avô, cujo pai não morreu nela, mas matou. A guerra não prestava, mas as histórias sobre ela, essas eram demais.
Outro tipo de batalha que Arlindo conheceu lhe foi apresentado pelo seu pai, lá em Songaripa, onde moravam. Era coisa feia, mas o velho achava bonito de se ver: briga de galo. Hoje em dia, nem pode mais, que coitado dos bichos, se matavam sem motivo. Que tipo de criatura ia querer matar uma semelhante sem razão? Difícil dizer, mas era fácil lembrar das histórias do avô vendo as rinhas em que o pai apostava.
Um tio lhe falava sobre como cada homem vive sua vida em guerra, e como não é possível haver paz sem haver solidão. Nunca teve provas disso, mas os anos lhe tornaram impossível duvidar.
Cresceu numa época mais fria, onde havia menos perigo e mais conforto, mas não menos medo. Lutou para poder votar, para poder dizer o que quisesse, e valeu muito a pena. Acreditar e transformar. Liberdade de expressão; significava muito, e ainda significa. Não que, hoje em dia, ele possa dizer qualquer coisa que seja sem ser tachado pejorativamente de alguma coisa e atirado, após um julgamento sumário, em uma cela onde ficam os seus iguais, tudo sem sair da frente do monitor.
É, Arlindo entrou no Facebook, seguindo a sugestão do filho. Seria divertido, disse, uma forma de manter contato com amigos que não via mais – e continuar a não vê-los, fazer o quê. Era estranho lá dentro, mas tinha seus pontos positivos. Piadas engraçadas, notícias e polêmicas; Informação instantânea, fotos de gurias fingindo querer esconder o que elas faziam questão de mostrar, essas coisas.
Era uma quinta-feira de noite, primavera, quando recebeu de seu filho um link, via mensagem naquela caixinha que pula e faz barulho na tela, mesmo quando ele não quer ver nada. Era sobre algum tema em voga, e o guri lhe pedia ajuda para uma batalha, mas ele não entendeu bem do que se tratava. Mas se fosse para ajudar o filho a lutar, estaria sempre disposto. O sangue de guerreiro corria em suas artérias, afinal. Foi até o quarto do perú, que se assustou com sua presença, e pediu explicações. “Não é 'ache', é 'résh', pai, 'réshtég'.”, disse e explicou o que queria que Arlindo fizesse. Este, por sua vez, continuou sem entender à que levaria aquilo, ou como funcionava exatamente a dita batalha, mas o que não faria pelos filhos, não é mesmo? Voltou até seu computador e, pela primeira vez na vida, Arlindo participou de uma batalha de hashtags; e três gerações de Schmitt's se reviraram em seus túmulos.

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