terça-feira, 11 de junho de 2024

O Inço

Tuc, tuc, tuc, tic, tuc, tuc
Graças a deus deu uma parada ein, deus me livre aqui ainda tamo com sorte, escapamo, é
Tuc, tuc, tic, volta e meia a enxada erra o inço e acerta o asfalto puro, ou o concreto do meio-fio
Que tristeza toda vida agora isso, onde vamo parar desse jeito, e os político não fazem nada, nada nada
Tuc, tuc, tuc, clap, um estalo diferente ressoa no intervalo das enxadas. Não são palmas, ninguém na rua aplaude a obra deste trabalhadores: um tapa erra o mosquito e acerta a própria perna
Uh diabo, isso tá cheio ein, agora veio dá pra cá essa merda, deus me livre nunca vi tanta água!
O pequeno demônio voa furtivo e ataca de novo em outra parte, indefensável; não chega a ser visto mas sua presença é notada, sentida; cada trabalhador nas ruas se sente sugado sem saber como se defender.
O inço vai sendo partido golpe a golpe, sem pressa, num progresso que quase não se enxerga. Enquanto isso, o ônibus da turma arranca e para mais adiante, lá na esquina.
O inço é derrotado mas só na superfície; é pouca a terra que se enxerga na sarjeta e a maldita raiz desta praga está protegida. Lá embaixo do asfalto e da calçada, ela sobrevive, apesar da sua fragilidade e podridão, apenas por força dessa estrutura que a cerca.
Volta e meia a enxada risca o concreto e o barulho muda o rumo da conversa.
Eu penso sobre deuses e patrões, enquanto não participo da conversa, se é que ela existe, mas observo de longe, alheio. Compartilhamos alguns metros da cidade, alienados uns dos outros.
Sufocados pelo inço que nos cerca, pelo mosquito que nos suga. Nada mais do que arranhando a superfície e sentindo a dor nas costas.
A patrola grunhe, resmunga e ronca rouca do outro lado da rua: é hora de avançar.
Vamo lá, gurizada

Nenhum comentário:

Postar um comentário